"A Senhorita X afirma que não tem mais cérebro nem nervos nem peito nem estômago nem tripas, somente lhe restam a pele e os ossos do corpo desorganizado [...]"

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

lobotomia


é difícil dizer. os efeitos dos remédios deixam tudo turvo. é como estar em um outro mundo.
é tudo branco e frio.

e há as enfermeiras: com suas caras e cheiros de morte. mais remédios, mais anestesia, mais sono em forma de comprimidos e injeções.

- tome seu remédio, criança. ele te fará bem.

outra dimensão. eu durmo e sonho. sonho que estou para sempre no lugar de paredes brancas, as mãos e os pés atados na maca.

- é melhor assim, criança. se te deixarmos livre, você pode se machucar.

os médicos aparecem: o cheiro deles é ainda mais pútrito. estão mortos, tenho certeza. querem me matar. me mandar para uma gaiola de onde eu não posssa sair.

prognóstico:maníaca depressiva, compulsiva. louca. insana. socialmente inaceitável. pervertida.
diagnóstico: lobotomia.

um pequeno corte acima do olho direito. um pedaço a menos do cérebro [é isso que acontece quando se pensa demais] insanidade esterelizada.


presa. para sempre. retardada. um cérebro e um corpo que não podem mais.


hospital, clínica, sanatório.

sábado, 26 de dezembro de 2009

aula 1



ensina-me a andar pois minhas pernas já perderam o equilíbrio.
ensina-me a viver pois a morte negra me persegue [ah! os últimos homens!]
ensina-me a ser forte, a ser dura, a ser bruta: a dizer não.
ensina-me a aceitar-me. a não ter vergonha.

em troca;

esino-te a leveza, a não olhar para trás.
ensino-te a voar em tapetes e espalhar o caos, nosso velho amigo de pernas tortas - tão parecidas com as minhas.
retiro de você suas mágoas. arranco os espinhos cravados em seu coração e costuro com amor e delicadeza suas feridas.
quebro com um martelo gargalhante seu iceberg, sua frieza.

[ah, meu amor: somos inevitáveis pois a vida nos foi dada.]

queremos, desejamos: PODEMOS.

*

duas serpentes enroladas: cada uma com seu veneno, cada uma com sua frieza - mas ambas não se desgrudam. desejam uma à outra para poderem não picar: é necessário segurar nos dentes o veneno. [o gelo incontrolável, criado, inventado] - elas vão aquecer.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

freezing, burning and ardour.




 ; é despir-se.

tirar a roupa do corpo. da alma [?]. da cabeça.
seja sujo, imundo, pervertido.

; é criar.

não há moral além da que se cria. não há amor além do que acontece a n-1.

retirar toda: a culpa, o ressentimento, a raiva. entrar no mar e deixar que ele leve tudo embora.

água salgada na pele nua [?]: corpo gelado, genitálias e boca salgadas. mas o sangue ainda é quente. deixe-o ferver na areia, no mato, na cama, na grama. seja leve.
sem corpos frios, sem palidez, sem gelo. seja fogo.

seja fogo e queime, seja chama e pingue na pele em vermelho, preto, azul. seja ferro quente e marque, seja amolado e corte. pinte, desenhe, escreva: amo-te - em letras tortas como o amor.

[faça da sua pele uma tela, um corpo machucado, cicatrizes que contam histórias de amor]

não  há água: há álcool. não há sangue: há amor. não há submissão: há entrega.

amor negro, amor.

"- porque você me ama?
- porque e sou seu e para que nosso amor fizesse sentido o mundo deveria ser recriado por demônios esquizofrênicos."




eu não sei me comportar. não sei concertar. não sei quem é deus. sei ser
bacante. sei ser tempestade. sei ser terremoto. sei ser furacão.

posso inundar, fazer tremer, afogar, soterrar, quebrar, estilhaçar, dobrar.

posso ser outra coisa: posso ser o riso, a gargalhada que assusta. posso ser
os pontos na ferida, a mão que afaga, a boca que sopra, o amor que arde.

posso ser os dentes que mordem mas sentem dor ao morder, as garras que arrancam espinhos mas fazem sangrar. e envergonham-se.

UM TIGRE.

ás vezes, quero solidificar, ser uma, inerte, anestesiada; outras vezes,
quero me dividir em centenas, milhares, sofrer, chorar, sentir. SENTIR.
sentir vida, alegria, o prazer de uma noite que não se apaga.

[eu olhei o abismo e ele olhou para mim. agora, estamos com os olhares fixos um no outro.]


- o que eu preciso é de uma camisa de força.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

ojos, piel, cuerpo y corazón.


a dor sentida na pele, no estômago, nos olhos que se abrem para a luz depois de permanecerem vendados, cerrados, fechados na escuridão... abre los ojos, todo cambiara.

[nova realidade. nova construção. trans-formação, trans-mutação.]

e o sangue retorna a circular nos membros antes atados, presos, amarrados: sangue novo... fresh blood. com nova pulsão, nova vida. vísceras e entranhas se contorcem: é a dança.
e há novas marcas - scars - para realizar o desejo: prova de amor, prova de entrega.

[meu Dono, meu Senhor, meu Escravo, meu Prazer... já nem sei mais.]

§


  - caminando en la calle... ¿lo que busca?
- el color da noche, la tormenta de oro, tu beso, tu abrazo, la otra mitad de mi corazón.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

a 4 mãos.




perdemos nossos nomes e nossas genitálias.
e se, por ventura, somos algo, então somos lésbicas, gays, travestis, macho e fêmea.
somos a gargalhada no gozo, o grito na areia, o esperma nos lábios, o mar sem trajes de banho – três perversões se esfregando ao mato da praia, poluindo, uma vez mais, os jardins de Camburi.

prazer pago... (qual era mesmo o nome dela?)

somos das ruas, das esquinas escuras, do amanhecer. somos remédios com tarjas escuras que curam as feridas que provocamos uns nos outros – engolimos esses remédios.

- só mais um comprimido: um prazer, alguns desejos (desculpe, desconhecemos o controle).

somos tigres com garras e dentes afiados mas que, ao se rasgarem, envergonham-se da sua própria brutalidade.
brutalidade para disfarçar nossa fragilidade, ou o quanto é fácil nos ferir.
beijos para secar as lágrimas de tesão, de amor, de dor.

DOR!

não somos nada e somos tudo, ou, antes, somos os de Fora.
somos trans. os três lados da rua: mão/contra-mão/acidente
um gozo encostado no muro, agachado no chão: duas bocas em um só pênis.

somos amarelos, vermelhos e brancos.
somos a felicidade e dor incompreensível porque é NOSSO.

*


Stória: há milhares de anos fomos separados por um raio, mas o céu não pode separar a Legião: os antigos demônios condenados a serem diabos errantes agora são, finalmente, Um.

*

...e usamos nossas asas para fugir por ruas e esquinas, bares e praias, mares e rios, becos e portas, linhas e relevos: somos novos bárbaros, transmutamos, invertemos, camuflamos, andamos nas sombras, fugindo sem razão aparente e sem saber exatamente do que; mas temendo, de um lado, o Capital-mago que nos acena-convida e, de outro, a terrível Divindade, com seus braços abertos e seus olhos atentos.

domingo, 6 de dezembro de 2009

"é um mundo maravilhoso,
hobbes...







...vamos todos explorá-lo!"

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

carpe diem.





; e o dia aparece apenas como uma onda que banha de luz nosso mundo de sombras;
nosso submundo de gritos e caos.

somos imperfeitos. ousamos ser. e misturamos nossos fluídos na mesma correnteza intempestiva.

amor fati.

[talvez o nosso aproveite o dia – ou seria aproveite a noite? – esteja bem próximo ao cóccix.]

terça-feira, 24 de novembro de 2009

(se eu casasse com a filha da minha lavadeira/
talvez fosse feliz.
)






talvez. [?]

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

angelical.


na frança, de luís XIV, o santo padre, em sua santa capela, segura com a mão – extremidade do membro superior direito – um outro membro por baixo da batina enquanto observa os anjinhos barrocos em volta da capela.

ah! que sonho seria – para ele – enrabar aqueles belos anjinhos de nádegas róseas e olhares infantis.

num dia qualquer, decidiu atender o apelo que partia de dentro e, pensando libidinosamente, cavou um buraco entre as nádegas de uma figura angelical que se encontrava, provocantemente, de bundinha empinada, encheu-a de espuma macia, regou-a com água quente e realizou seu maior desejo enquanto pensava, sordidamente:

pau no cu dos anjos.

sábado, 14 de novembro de 2009

§ub[missão].




 eu aceito, de bom grado, dizer-me sua.
virei ao chamar-me de puta, cadela ou qualquer outro nome que venha à sua imaginação, pois estes sempre foram meus nomes.
ficarei feliz em responder sempre o que deseja ouvir.

- sim, senhor[@]; não, senhor[@].

rastejarei e implorarei conforme sua vontade.
serei fiel e servil como jamais pensou que alguém pudesse ser.

em troca, peço apenas, que me tome como carne, como corpo, como objeto.
que me faça gritar, chorar de dor. que encha de marcas de diversas cores minha pele. que trace palavras vermelhas no meu corpo.
que me cubra de amarelo e branco [cores dignas de uma escrava, de uma rainha].
peço apenas que queime, corte, fure, bata até que cada nervo se contraia e sinta a imposição da vida que se faz presente.

e aí então, serei sua e de sua vontade... enquanto houver sangue.

- scream, bitch, scream.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

anã.


de frente para o espelho lambuzou os lábios com o batom vermelho da mãe. de rosa-rouge pintou as maçãs do rosto. lápis preto nos olhos.

fez vestido de uma das blusas da mãe e calçou, desajeitadamente, os sapatos de salto-alto marrons.

olhou com desprezo as roupas de criança jogadas em cima da cama.


- não, elas não são mais para mim.


mirou sua própria imagem no espelho: parecia uma mulher que havia encolhido.


tinha pressa de crescer.

seu corpo já havia sido por diversas vezes exposto, tocado, lambuzado com algo mais viscoso que batom. então, por que não?


- não. não se faz assim com crianças, não é certo.


apertou contra o seio ainda reto a última lembrança da infância. depois, deixou-a sobre a cama, fechou a porta e se foi.


- uma vez fechada a porta é hora de partir, me vou desse mundo e [des]-habito um lugar para ocupar outro do qual ainda não me dei conta.


a infância é curta e a maturidade é eterna.”

- calvin.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

abismo.

é preciso estar sempre olhando para baixo;
para o fundo do abismo.

olhar o abismo e não sentir vertigem.

eis aí o desafio para os que temem grandes alturas.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

ausência,

chamam-me ausência.

minha especialidade é partir.

partir para longe e não mais voltar.

partir em pedaços.

assim sendo, parto.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

borboletas.


de que ela tinha medo, ninguém duvidava. vivia escondida pelos cantos das paredes, correndo em salas redondas, fugindo de um não-sei-o-que apavorante que lhe perseguia.


teimava em camuflar-se por de baixo das saias das senhoras que percorriam a praça. saias longas, escuras. tecidos onde podia se enfiar, amedrontada, como sempre.


mas um dia, sozinha, sem onde mais esconder-se, entrou no tronco oco de uma árvore.

por lá permaneceu enquanto longos dias pavorosos passavam.


um dia, para a surpresa da cidade, que já havia esquecido-se da menina amedrontada, uma borboleta de cores ocre apareceu voando em torno das saias das senhoras da praça, para depois, sumir no ar.