"A Senhorita X afirma que não tem mais cérebro nem nervos nem peito nem estômago nem tripas, somente lhe restam a pele e os ossos do corpo desorganizado [...]"

quarta-feira, 3 de março de 2010

ode [d]à feiticeira



- como te atreves? - foi o que primeiro a feiticeira perguntou.

havia guardado, a sete chaves, nove cadeados, vinte portas de gelo maciço, dentro de si, lá onde as mãos não alcançam a caixa azul.
e de repente, ele aparece. ignora seus poderes, ignora o frio cortante que havia ao seu redor e crava em seu peito suas mãos alvas para tirar-lhe seu objeto mais perigoso.
não foi por querer, ela havia guardado a caixa por segurança: seu conteúdo não era para qualquer um.
mas ele queimou as mãos. e ele tinha as chaves. as chaves azuis. e abriu a caixa.

de um tudo que há nesse mundo, entre sentimentos e confusões, saiu de lá. a feiticeira sentiu raiva dele.
- quem era esse que tinha a coragem de re-mexer em seu interior?

a feiticeira sempre foi conhecida por sua frieza. deitava-se na cama de muitos e só gelo lhes dava. era azul. já fora de outra cor, mas, aos poucos, foi tornando-se azul e cinza. fantasma. intocável que atravessa paredes e brinca com sentimentos alheios. boca fria, olhos frios, pele fria – sintética.

mas uma vez aberta a caixa, nem mesmo ele conseguiu fechá-la novamente. e o mundo explodiu dentro dela como num novo big bang não-científico-dolorido-colorido-assustador[ido?].
de azul e cinza, voltou ao vermelho. lá em suas artérias o sangue fluía novamente. quente, grosso, com [pouco] gosto de ferro.

aquele homem tomou a feiticeira por abrir-lhe a caixa, mas machucou-se. era inevitável. a caixa continha não só um calor extremo, como monstros que ela ainda não havia aprendido a domar.
mas houve mais: nas mãos dele a caixa ganhou mais um objeto para [su]portar -uma felicidade sem tamanho da qual ela, no mesmo instante, teve medo de que não durasse.
e afastou-se. e foi embora. e sentiam falta um do outro, como duas metades separadas de um mesmo coração.

mas pólos que tendem à se unir não se separam, então, encontraram-se novamente, e novamente, tudo explodiu.
a feiticeira, acostumada a abrir caixas e portas, diante daquele homem ajoelhou-se: ele a havia exposto só para si, como uma brincadeira. mas expôs-se para ela. e sorriram: as duas metades estavam novamente juntas.

por quanto tempo agüentariam a explosão? nem mesmo as melhores feiticeiras saberiam dizer, mas eles estavam ensinando-se. amando-se.

então, a feiticeira riscou de seu caderno as palavras: culpa, medo, ciúmes, cristianismo, moral e tantas outras que sempre a atormentavam como se, a qualquer momentos, fosse afogar-se em uma sopa de letrinhas – mas estava reformulando algumas.

o medo do homem para quem estava exposta, passava aos poucos e ela sonhava em sua cama quente e sua nova cor: vermelha como fogo, paixão, cabelos, ódio e angústia.

§

onde forem seus pés, os meus o seguirão. tudo em que tua mão tocar, a minha também sentirá. suas dores serão minhas dores, sua felicidade é a minha. o que teus olhos enchergarem será visto pelos meus. e dançaremos, daremos gargalhadas e atearemos fogo: oroboros.

2 comentários:

  1. Simplesmente lindo e intenso!

    Adorei...

    beijos da vyk

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  2. Intenso... desconcertante! Passei no teu Blogger com mais tempo e admirei a riqueza dos detalhes, as palavras são tuas amigas e tu és amiga das palavras! Pisc*

    Beijokas*

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