"A Senhorita X afirma que não tem mais cérebro nem nervos nem peito nem estômago nem tripas, somente lhe restam a pele e os ossos do corpo desorganizado [...]"

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

um conto infantil


sempre que pensava nas cortinas preocupava-se com o monstro por de trás delas.
não sabia se por medo ou [com]paixão.
dormia e sonhava com o monstro deixando seu secreto esconderijo e visitando-lhe.
acordava assustada como quem sonha que está caindo: tinha medo de altura.
mas o monstro não tinha rosto. isso à incomodava. precisava dar-lhe uma face, pois, ela sabia que o monstro existia, mas jamais pôde encará-lo, abrir as cortinas.

*

sem muitos temores [não sabia de onde lhe vinha a coragem] ergueu as cortinas e viu o monstro.
num primeiro momento, ele ofuscou-lhe a visão. tudo ficou turvo.
quando seus olhos voltaram a enxergar, a primeira imagem que viu foram os olhos do monstro.
não eram maus. nem assustadores. eram como os seus. castanhos, curiosos. pareciam conhecer o terror e a cólera, mas havia neles coragem – uma coragem com a qual ela jamais havia cruzado.
olhou, então, finalmente, a face do monstro que, em metamorfose, já não era mais monstro.

era um homem.

homem que ela mesma escondeu atrás das cortinas por não ter coragem de lembrar como era sua face.
ah, a face do homem-monstro! marcada por anos que ela ainda havia de viver e por um sorriso que ousava ser imperfeito.

e de súbito, o homem [já não-monstro] estava fora de seu esconderijo e ela descobria que era sua metade amada, perdida por décadas.

*







tomou o homem pelas mãos e o levou para a cama – para dormir e abraçar.

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